Onde está a raiz da nossa fé?

Quando olhamos para a história bíblica e para a própria formação da Igreja, percebemos que todo o fundamento da fé cristã nasce em Israel. Foi a esse povo que Deus confiou a Sua Palavra, a Sua lei e o modelo de culto verdadeiro. Paulo deixa isso bem claro em Romanos 3:1-2, ao afirmar que a principal vantagem dos judeus é que a eles foram confiados “os oráculos de Deus”. E Jesus também declarou à mulher samaritana: “a salvação vem dos judeus” (João 4:22). Isso não significa que a salvação seja exclusiva dos judeus, mas que Deus escolheu começar por eles para que, em Cristo, também os gentios ocorressem.

A Igreja primitiva compreende isso. Por isso, em Atos 2:42, vemos que eles perseveravam “na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Essa doutrina dos apóstolos não foi algo inventado por eles, mas um aprofundamento da revelação já dada a Israel, agora cumprida em Cristo. Ela incluía a graça, a lei moral (que permanece como expressão do caráter de Deus), as festas bíblicas reinterpretadas em Cristo e até mesmo certas tradições judaicas — desde que não contradissessem as Escrituras. Ou seja, os apóstolos não rejeitaram a herança de Israel, mas iluminaram à luz da cruz e da ressurreição.

Outro ponto importante é a distinção entre a Ceia e o kidush. A Ceia do Senhor tem origem direta na Páscoa, celebrada por Jesus com Seus discípulos, mas reinterpretada como nele o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Já em Atos 2, quando se fala do “partir do pão”, trata-se também de uma prática comum entre os judeus (tradição), o kidush, em que se fez a vitória sobre o pão e o vinho nas refeições. Ou seja, a Igreja primitiva celebrava tanto a Ceia (Páscoa em Cristo, memória de sua morte e ressurreição) como mantinha a prática do kidush, mostrando que sua vida comunitária estava profundamente enraizada no modelo de culto bíblico dado a Israel.

Entretanto, já no início, surgiu uma discussão sobre até onde os gentios deveriam seguir os costumes judaicos. Isso foi tratado no Concílio de Jerusalém, relatado em Atos 15. Ali ficou decidido que os gentios não precisariam assumir o jugo completo da lei cerimonial, como a circuncisão, mas deveriam guardar princípios básicos de santidade: abster-se da idolatria, da imoralidade sexual e do sangue. Ou seja, os apóstolos não abriram a mão da santidade da lei, mas também não impuseram aos gentios práticas que não eram essenciais para a fé em Cristo. Esse concílio mostrou que aproximar-se de Israel não é se tornar judeu, mas reconhece que a raiz da fé está na revelação que veio por meio deles e que encontra seu cumprimento no Messias.

O problema começou quando, ao longo da história, a Igreja foi se afastando dessa raiz israelense. Em vez de se manter ligado à oliveira, conforme Paulo ensina em Romanos 11, a Igreja passou a absorver elementos das culturas ao redor. E é aí que vemos o perigo: quando o modelo de culto não é mais oriundo da Palavra de Deus, mas das tradições e filosofias humanas, abre-se espaço para o paganismo. Foi exatamente isso que Deus anunciou em Deuteronômio 12:30-31: o povo não deveria imitar as práticas das nações vizinhas, porque elas faziam aos seus deuses tudo o que o Senhor detestava.

Na prática, o que isso significa? Por exemplo: quando a Igreja adota festas, rituais ou símbolos que não têm origem na Palavra, mas vêm da tradição pagã, ela está se afastando do modelo dado por Deus. Ou quando os cultos se transformam em shows ou eventos centrados no entretenimento humano, em vez de estarem voltados para a inspiração a Deus, isso mostra uma influência do “mundo” e não do padrão bíblico. Paulo já havia alertado sobre isso em Colossenses 2:8, quando disse para não nos deixar levar por filosofias e tradições humanas que não estão em Cristo.

Mas é importante entender que aproximar-se de Israel não significa judaizar, ou seja, voltar a guardar práticas cerimoniais como circuncisão. Paulo também reforça em Gálatas 2:16 que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo. Aproximar-se de Israel, portanto, não é assumir um legalismo religioso, mas considerar que a raiz da fé e do culto verdadeiro é no que Deus revelou primeiro aos judeus, e que Cristo é o cumprimento perfeito disso.

Um exemplo prático: quando uma igreja valoriza a leitura pública das Escrituras, a oração comunitária e os mandamentos do Senhor, ela está preservando o modelo apostólico que tem suas raízes em Israel. Mas quando uma igreja substitui isso por práticas que não têm base bíblica — como superstições, objetos de poder ou sincretismos culturais —, ela está repetindo o erro de se salvar do padrão divino e se abrir para o paganismo.

Por isso Paulo faz questão de lembrar, em Romanos 11:17-18, que os gentios foram enxertados na oliveira e se tornaram participantes da raiz. A raiz é santa, e é ela que sustenta os ramos. Se nos desconectarmos dessa raiz, perdemos a essência do culto verdadeiro. Aproximar-se de Israel, portanto, é manter-se fiel ao padrão de Deus, rejeitando o paganismo e vivendo um culto centrado em Cristo, que é a plenitude da revelação divina.

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Mariana Galvão

Esposa, mãe, pastora e escritora.

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